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Adriana Arruda - Publicado em 15-03-2023 06:00
Descoberta da UFSCar ajuda a desvendar evolução dos animais
Ilustração da Corumbella (Imagem: Júlia Soares d'Oliveira)
Ilustração da Corumbella (Imagem: Júlia Soares d'Oliveira)

A evolução dos animais ainda suscita muitos questionamentos, e três achados recentes, relacionados a características do organismo Corumbella werneri, trazem mais algumas pistas. São elas: esqueleto com partes independentes umas das outras; presença do mineral aragonita; e possibilidade de simetria bilateral.

As características foram descritas por Gabriel Osés, Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar, no escopo de sua tese de doutorado, orientada por Mírian Pacheco, docente no Departamento de Biologia (DBio) no Campus Sorocaba da Instituição.

A Corumbella viveu durante o período Ediacarano, cerca de 541 milhões de anos atrás. Em seu doutorado, entre 2009 e 2012, a docente da UFSCar já havia pesquisado este organismo. "Ela é um dos primeiros animais a ter esqueleto duro na história da vida terrestre, e a detecção de esqueletos entre animais mostra um grande indicativo de predação carnívora. Essa interação - na qual um animal come parte ou todo o corpo de outro - resulta em muita movimentação de matéria e energia no planeta, além de acelerar processos e revoluções biológicas. Por isso, estudar a composição desses esqueletos nos ajuda a entender como chegamos até a biologia atual dos animais", compartilha a pesquisadora.

Osés, por sua vez, deu continuidade aos estudos, tentando desvendar o esqueleto da Corumbella de modo mais detalhado, a partir de fósseis descobertos em Corumbá, no Mato Grosso do Sul.

Os cientistas foram a campo para coletar fósseis e rochas, e assim analisar dados do ambiente em que o animal viveu, algo que interfere diretamente em sua própria biologia.

Ele utilizou técnicas de análises avançadas, de forma combinada, para preencher lacunas ainda não desvendadas pela Ciência, realizando doutorado com período na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Assim, trouxe algumas respostas e, como é comum no meio científico, lançou novas reflexões e questionamentos à temática.

Descobertas
Os registros inéditos da pesquisa dão detalhes sobre a organização e as características do esqueleto da Corumbella: embora pesquisadores já saibam que ela tinha o esqueleto flexível, Osés descobriu que ele possuía partes independentes umas das outras. "Antes, achava-se que era uma coisa só, como um tubo inteiriço", explica.

"A estrutura é muito parecida com as catafractas (armaduras utilizadas por povos antigos, na cavalaria), como se fossem escamas levemente sobrepostas, permitindo flexibilidade e articulação. Por isso, demos o nome, a esta característica, de organização catafractária - termo já usado por outros pesquisadores para outros animais com construções semelhantes, como uma analogia às armaduras medievais", conta.

Esta descoberta mostrou outro ponto: a organização catafractária é reminiscente de animais bilaterais (ou seja, em que o corpo pode ser dividido em duas partes iguais ao longo de um plano de simetria, como ouriços e humanos, com lados esquerdo e direito), e isso é um achado inédito para a Corumbella.

Antes, as evidências a apontavam como um animal de simetria radial, que significa que o corpo pode ser dividido em vários planos, dispostos em um eixo longitudinal, como em águas-vivas, por exemplo.

"A Corumbella pode revelar importantes informações sobre a evolução dos animais bilaterais. É preciso, agora, dar andamento a novas pesquisas para avançarmos nesta descoberta", analisa o pesquisador.

Ele também encontrou o mineral aragonita no esqueleto, que é uma das formas cristalinas do carbonato de cálcio (CaCO3), detectada em conchas, corais, pérolas e formações geológicas. "Os cientistas já cogitavam essa possibilidade em animais do Ediacarano, mas esta foi, de fato, a primeira vez que alguém conseguiu demonstrar isso por meio de análises."

A presença e a organização dos minerais de aragonita revelaram a capacidade da Corumbella de sintetizar seu próprio esqueleto. "Isso demonstra um grau de sofisticação no processo esquelético - o organismo não simplesmente aglutinava minerais, mas conseguia controlar seu processo de formação", avalia o pesquisador.

Todos esses achados ajudam a entender como os animais modernos teriam surgido. "Isso pode ser útil para analisarmos a evolução e a irradiação dos animais", esclarece Pacheco.

Segundo Osés, o avanço das técnicas de análise e a interdisciplinaridade entre diversas áreas do conhecimento foram essenciais para as suas descobertas. 

"Cientistas de áreas como Biologia, Engenharia Biomédica, Física, Geologia, Paleontologia, Ecologia e, mais recentemente, Astrobiologia (que visa buscar vidas em várias partes do cosmo), podem trabalhar de maneira articulada, com seus mais diversos conhecimentos e técnicas, para encontrarem formas eficientes de desvendar os questionamentos sobre a vida na Terra", finaliza.

Os achados foram retratados em artigo científico (intitulado Ediacaran Corumbella has a cataphract calcareous skeleton with controlled biomineralization), publicado na revista iScience.