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Gisele Bicaletto - Publicado em 15-10-2019 13:00
Novo parasita identificado no Brasil causa doença que pode levar a óbito
Imagem do novo parasita comparado com exemplares de Leishmania (Foto: Reprodução)
Imagem do novo parasita comparado com exemplares de Leishmania (Foto: Reprodução)
Um levantamento feito por pesquisadores brasileiros indica que sintomas semelhantes aos da leishmaniose podem ser causados por um parasita diferente que não responde ao tratamento tradicional aplicado para casos de leishmaniose. O novo parasita tem infectado pessoas em Sergipe desde 2011, causando uma morte; e já há uma segunda morte suspeita, que está sob investigação pelos pesquisadores.

O estudo é liderado por Sandra Maruyama, pesquisadora visitante do Departamento de Genética e Evolução (DGE) da UFSCar, por meio do Programa Jovem Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com colaboração de João Santana Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), e de Roque Pacheco de Almeida, do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), que fez o diagnóstico e tratamento dos pacientes. O trabalho também conta com a participação de José Ribeiro, pesquisador brasileiro que atua no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, em Maryland, nos Estados Unidos. A pesquisa foi realizada, com apoio da Fapesp (Processo: 2016/20258-0), no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), que é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), e continua em andamento na UFSCar, pelo Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes (JP/Fapesp), no qual, desde 2017, Maruyama coordena um projeto que usa abordagens genômicas para estudar a leishmaniose.

A pesquisa partiu do caso de um paciente de Aracaju (SE) que, em 2011, foi diagnosticado e tratado por Almeida, especialista em leishmaniose e responsável pelo diagnóstico de mais de 11 mil casos da doença desde 1984. "Apesar daquele paciente apresentar sintomas de leishmaniose visceral [o tipo mais grave da doença], ele não respondeu aos tratamentos convencionais, tendo tido três recidivas que resultaram em reinternações. Na última delas, além dos sintomas da forma visceral, o paciente passou a apresentar lesões cutâneas disseminadas pelo corpo. Essas lesões são típicas de outro tipo da doença, a leishmaniose tegumentar [mais branda], no entanto, nesse paciente elas eram diferentes das lesões da leishmaniose tegumentar", relata Almeida. O professor afirma que, até então, nunca tinha visto um caso como esse que terminou em óbito.

Amostras coletadas desse paciente foram encaminhadas à FMRP-USP. "A princípio, pensávamos que se tratava de um protozoário parasita do gênero Leishmania. Há mais de 30 espécies, sendo que uma dezena delas ocorre no Brasil, causando leishmaniose. Nós tentamos identificar o parasita pelos métodos tradicionais, comparando-o a outras espécies conhecidas de Leishmania, mas o 'bicho' não se parecia com nenhuma delas", relembra Silva, Professor Emérito da FMRP-USP e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A partir de então, a identificação do parasita ficou a cargo de Maruyama, que integrava a equipe de Silva na época. "Ao sequenciar o genoma do novo parasita, verificamos que, de fato, não se tratava de Leishmania. Ele revelou-se semelhante, mas não igual, a um outro parasita, exclusivo de insetos, chamado Crithidia fasciculata", relata a pesquisadora. Maruyama explica que os gêneros Crithidia e Leishmania são da mesma família de parasitas que o Trypanosoma cruzi, que causa a Doença de Chagas. "No entanto, espécies de Crithidia não são capazes de infectar mamíferos e, portanto, não causam doenças no homem", acrescenta ela.

Diante disso, os pesquisadores testaram o novo parasita em infecções usando modelos animais e puderam comprovar que, além de humanos, ele também foi capaz de infectar camundongos em laboratório. "Ainda não se sabe se o novo parasita pertence a uma linhagem diferente de Crithidia fasciculata ou se trata de um gênero inteiramente novo, causador de uma doença assemelhada à leishmaniose, porém mais grave", diz Maruyama. A expectativa dela é realizar descrição da nova espécie nos próximos meses para que a doença possa ser nomeada. "Também ainda não sabemos se o parasita, por si só, é capaz de causar uma doença semelhante à leishmaniose, ou se ele estaria agravando casos típicos de leishmaniose visceral", pondera a pesquisadora.

De acordo com Almeida, dependendo da comprovação das hipóteses levantadas, será possível explicar o aumento da letalidade dos casos de leishmaniose visceral no Brasil. "Em contrapartida, é possível que estejamos diagnosticando casos de leishmaniose visceral quando, na verdade, trata-se de uma nova doença, mais grave e para a qual ainda não existe tratamento específico", diz. O pesquisador relata também que, em Aracaju, desde 2011, há parasitas isolados de cerca de 150 casos de leishmaniose visceral, mas somente a partir de 2015, com o sequenciamento do genoma, é que descobriram que, em mais de um terço dos casos investigados, os pacientes estavam infectados com o novo parasita. Esses pacientes estão sendo tratados com o mesmo protocolo para leishmaniose até que um novo tratamento seja elaborado.

"É importantíssimo identificar o parasita corretamente, para garantirmos o tratamento mais adequado. Nesse sentido, desenvolvemos em nosso grupo um método de diagnóstico molecular que consegue diferenciar o novo parasita das espécies de Leishmania. Atualmente, estamos otimizando o método para melhorar a sua sensibilidade e aplicação em amostras de sangue e tecidos de pacientes, bem como em possíveis espécies de animais reservatórios e insetos vetores. Também é necessário testar quais drogas são eficazes contra esse parasita", complementa Maruyama.

Apesar do estudo estar concentrado nos casos de pacientes infectados em Sergipe, devido à parceria com a UFS, a pesquisadora considera que pode haver outros casos semelhantes espalhados pelo Brasil. "Pode estar em outras áreas porque é uma doença transmitida por insetos vetores. Ainda não sabemos a espécie desse inseto, mas as doenças transmitidas por mosquitos têm avançado muito devido ao aquecimento global e o consequente aumento de temperatura em regiões que eram mais frias", diz Maruyama. Mesmo sem a identificação do inseto vetor e do próprio parasita, Maruyama destaca que a principal forma de prevenção contra a doença é acabar com os criadouros de insetos, como já é indicado no combate à dengue, por exemplo.

O atual estudo foi divulgado em artigo na revista do Centro de Controle de Doenças Infecciosas (CDC) dos Estados Unidos.