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Mariana Pezzo - Publicado em 06-09-2018 18:30
Projeto busca preservar sistema agrícola tradicional do Vale do Ribeira
Workshop reuniu representantes do Fórum das Comunidades do Vale do Ribeira (Foto: Acervo pessoal)
Workshop reuniu representantes do Fórum das Comunidades do Vale do Ribeira (Foto: Acervo pessoal)
Aconteceu no dia 16 de agosto, no município de Iporanga (SP), no Vale do Ribeira, o workshop "Ferramentas de patrimonialização das tecnologias e práticas agrícolas tradicionais do Vale do Ribeira", organizado por docentes e estudantes do Campus Lagoa do Sino da UFSCar, no âmbito do projeto "Pesquisa, Capacitação e Desenvolvimento Tecnológico em Agroecologia". A organização do evento teve a parceria do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, do Observatório de Conflitos Rurais do Estado de São Paulo e do Instituto Socioambiental (ISA).

Durante o evento, foram apresentadas soluções para uma demanda a comunidades tradicionais - quilombolas e caboclas - do Vale do Ribeira, que têm enfrentado conflitos relacionados à sobreposição de suas terras às do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), que tem regras de uso próprias de uma unidade de conservação. "Essas comunidades ocupam aquele território muito antes da existência do Parque, já há muitas gerações. Mas, principalmente a partir da década de 1980, os parques começaram a exigir autorizações especiais para que eles possam praticar sua agricultura tradicional, conhecida como sistema de coivara", explica Henrique Carmona Duval, docente do Centro de Ciências da Natureza (CCN) do Campus Lagoa do Sino e coordenador do projeto. A coivara é um sistema de corte e queima existente em várias partes do Brasil, com especificidades em sua manifestação no Vale do Ribeira. "Diante do conflito socioambiental, as comunidades do Vale vislumbram como possibilidade candidatar a coivara no programa da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação [FAO-ONU] que certifica o sistema agrícola como um patrimônio cultural, o que ajudaria a proteger os caboclos das multas que recebem e da criminalização de uma prática que, inclusive, até aumenta a biodiversidade no território em que é praticada", contextualiza Duval.

Assim, no workshop do dia 16, Marcelo Broggio, do escritório da FAO no Brasil, apresentou o programa GIAHS (Globally Important Agricultural Heritage Systems), utilizado por comunidades tradicionais em todo o mundo para obter reconhecimento de seus sistemas agrícolas e de sua importância cultural e ecológica. Participaram do evento representantes da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead) do Governo Federal, do Fórum, e a equipe da UFSCar, composta por Duval, pelo também docente do CCN Heber Lombardi de Carvalho e por estudantes de cursos de graduação do Campus Lagoa do Sino.

O projeto prevê agora a realização de estudos para elaboração de uma proposta de candidatura do sistema agrícola da coivara no âmbito do GIAHS, que deve ser apresentada ao Fórum até o final deste ano. "Devemos fazer uma análise do sistema agrícola com informações sobre o tamanho da área de abertura de roças para a produção dos alimentos, a densidade demográfica no território, as variedades cultivadas, as técnicas de manejo, toda a agrobiodiversidade com a qual os caboclos convivem no cotidiano, dentre outros aspectos culturais", elenca o pesquisador da UFSCar.

Projeto
O projeto "Pesquisa, Capacitação e Desenvolvimento Tecnológico em Agroecologia" reúne atividades de ensino, pesquisa e extensão com incidência na agricultura familiar em quatro territórios: Sudoeste Paulista (que abrange municípios no entorno do Campus Lagoa do Sino); o Alto Vale do Ribeira; a região de São Carlos e Araraquara (identificada como Território Central do Estado de São Paulo); e Sul de Minas (na região da Serra da Mantiqueira, próximo a Itajubá e Maria da Fé). A iniciativa envolve docentes, servidores técnico-administrativos e estudantes ligados a todos os cursos de graduação instalados no Campus Lagoa do Sino, com financiamento da Sead, que é vinculada à Casa Civil.

O coordenador do projeto explica que as ações sempre partem de diagnósticos participativos junto aos chamados grupos de referência (grupos que já desenvolvem experiências em agroecologia no território), que levantam demandas e subsidiam as propostas de ações a serem desenvolvidas. Especificamente no Vale do Ribeira, além da frente de trabalho relacionada à coivara, duas outras demandas identificadas dizem respeito à elaboração de projeto para um viveiro de mudas de palmito (juçara e pupunha), a serem usadas inclusive para reflorestamento, e à capacitação para certificação orgânica do mel que já é produzido nas comunidades.

"Os eixos de implementação do Campus Lagoa do Sino estão muito presentes no projeto: desenvolvimento territorial, sustentabilidade, segurança alimentar e agroindustrialização com foco na agricultura familiar", registra Henrique Duval. "A agricultura familiar é nossa categoria básica, mas com foco na produção orgânica e na Agroecologia. Entender essas categorias e vivenciá-las na prática é um dos objetivos do projeto, sobretudo com os estudantes. Com os grupos de referência, a parceria da Universidade procura potencializar as forças que já existem nos territórios, para produzir mais e melhor, facilitar processos que favoreçam a autonomia dos agricultores e de suas organizações e, também, gerar conhecimentos sobre produção e consumo sustentáveis. É assim que o projeto entende que a UFSCar pode se tornar realmente um agente de desenvolvimento do território em que está inserida", conclui.